Pena de Morte para o
Nascituro
Todos os seres humanos são seres humanos desde a
concepção. Nesse momento, todos os seus componentes biológicos e psicológicos
estão formados, tendo os defensores do aborto, desde a concepção, seu perfil
atual delineado. A tese conveniente de que o ser humano só o seria após três
meses não se sustenta, visto que ninguém foi animal irracional entre a
concepção e os primeiros três meses, para depois se tornar um ser humano. É ser
humano desde a concepção.
Dessa forma, o denominado aborto legal - que desde
1988 não é mais legal - nada mais é do que uma pena de morte imposta ao ser
humano quando ainda vive no ventre materno.
O que me tem impressionado é que a maior parte dos
que defendem essa prática foi contrária à pena de morte. São favoráveis à pena
de morte imposta ao ser humano inocente que vive no ventre materno e contrários
à pena de morte para o criminoso culpado, que pode ter sido um assassino
inveterado.
Em outras palavras, muitos dos abortistas são
contrários à pena de morte aplicável aos estupradores, que são criminosos
hediondos, mas são favoráveis à pena de morte aplicável aos inocentes gerados
no estupro, o que, no mínimo, é de uma macabra incoerência.
Pessoalmente, entendo que o homem não tem o direito
de tirar a vida de ninguém, seja pela pena de morte, seja pelo aborto, seja
pela eutanásia.Não quero, todavia, apenas esgrimir argumentos
racionais com aqueles que, por oportunismo e conveniência, não querem encarar o
fato de que são defensores de um homicídio uterino de inocentes, genocidas que
pretendem legalizar a morte dos nascituros, como Hitler fazia com o sofrido
povo judeu.
O que pretendo deixar claro é que não há mais
aborto legal no País. A lei penal, que permitia o aborto em duas hipóteses
(estupro e perigo de vida para a mãe), não foi recepcionada pela Constituição
de 1988.
Com efeito, a Lei Suprema anterior não protegia o
próprio direito à vida. Determinava que apenas os "direitos concernentes à
vida" deveriam ser garantidos pelo Estado, admitindo, portanto, exceções.
O texto atual não oferta equívocos. O próprio
"direito à Vida" é que está assegurado, de tal maneira que os
chamados abortos legais deixaram de ser legais por serem
"inconstitucionais", visto que implicam "pena de morte"
para um ser humano, e o direito à vida de todos os seres humanos está garantido
pela Constituição.
Está o artigo 5º, caput, da Constituição federal,
assim redigido: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:..."(grifos
meus).
Não há, portanto, nenhuma dúvida de que o próprio
direito à vida é garantido, mas, mais do que isso, é considerado princípio
fundamental do direito constitucional pátrio.
À evidência, no caso de perigo de vida da mãe,
hipótese cada vez mais rara em face da evolução da medicina, se pode apresentar
o dilema de que, todavia, perante situação em que é absolutamente impossível
salvar os dois, a salvação da mãe decorre do fato de que sua morte implicaria,
de qualquer forma, a morte da criança.
Lembro-me do debate que tive com o amigo Adib
Jatene, na Câmara dos Deputados, em que confessou que só lá estava porque sua
mãe, aconselhada pelo médico a abortá-lo, visto que corria perigo por ser
hipertensa (e a medicina na época era pouco evoluída), se negara a abortar e,
graças ao gesto heróico de seus pais, lá estava ele, contribuindo para o bem do
País.
Ora, se as hipóteses de risco são cada vez mais
raras e no estupro não há risco para a mãe, em face da Constituição brasileira,
o ser humano que vive no ventre materno não pode ser condenado à morte por lei
ordinária, a meu ver, manifestamente inconstitucional.
Causou-me, pois, espécie a afirmação do eminente
presidente da Suprema Corte e notável constitucionalista, que, ao defender a
pena de morte para o nascituro, não considerou a clara, inequívoca, meridiana
garantia da Constituição federal ao direito à vida esculpida no caput do artigo
5º da Lei
Suprema, como princípio fundamental.
Não sei se sua opinião é compartilhada pelos demais
preclaros julgadores do pretório excelso, que se mantiveram silenciosos sobre a
matéria, até porque, podendo ter de decidir sobre eventual ação direta de
inconstitucionalidade, preferiam não antecipar seu voto até ouvir todos os
argumentos jurídicos pertinentes.
Tenho para mim que o homicídio uterino, sobre ser
inconstitucional, abre espaços para a eutanásia e outras formas de
"purificação" da raça, a pretexto de afastar aqueles seres doentes ou
"improdutivos" que oneram uma sociedade cada vez mais egoísta e não
solidária.
Para mim, o aborto é homicídio. É assassinato. E
não há argumentos, por mais dolorosos que sejam - como no estupro em que o
drama sofrido pela mulher é enorme -, que justifiquem, por essa razão, a morte
de um inocente.
E, principalmente, não aceito os argumentos dos
abortistas, que só podem defender a pena de morte para os nascituros porque a
mãe deles não praticou com eles o que eles pretendem aplicar a outros seres
humanos.
Por Ives Gandra da Silva Martins em O
Estado de São Paulo
Professor emérito das Universidades Mackenzie e Paulista e da Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército. Presidente da Academia Internacional de Direito e
Economia e do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado
de São Paulo.